CONSIDERAÇÕES
FINAIS
Esse livro foi
elaborado com o objetivo de oferecer uma versão mais sincera da nacionalização
do território do Acre pelo Brasil. É possível que a história contada aqui não tenha
agradado a todos, mas foi como a visualizei quando retirei dela o “véu mítico” da
narrativa epopeica. A história “politicamente correta” engrandece
acontecimentos e cerca de glória personalidades, no entanto, a magnificência
deles só é plenamente percebida por aqueles que sofrem de megalomania, miopia
do senso comum ou embriaguez de acrianidade.
A história do Acre,
da maneira como vem sendo contada, mais parece um mito fundador, porquanto, não
tem o menor compromisso com a verdade. É uma história “espetáculo”, que
embeleza o “sangue” e o “lodo” (CARNEIRO, 2015) constituintes da sociedade
acriana e os transforma em fonte de orgulho coletivo. A invenção do ufanismo
acriano tem raízes em um “abuso da história” (CARNEIRO, 2015b), que falsifica o
passado inaugural como glorioso.
A história que chegou até nós, foi escrita por aqueles que venceram a
“Revolução”. Era de se esperar que ela se tornasse um instrumento de auto-louvação.
O custoso é deparar com a ingenuidade daqueles que defendem o caráter
apoteótico da anexação, sem ao menos perceberem que estão reproduzindo o discurso
daqueles que almejavam lucrar com a nacionalização do Acre, a saber: os
“coronéis de barranco”, os membros da Junta Revolucionária, os profissionais
liberais e políticos de Manaus ligados à economia gomífera.
Não há nada de elogiável em uma ofensiva militar. Ainda mais se sabendo
que ela esteve a serviço de interesses espúrios de uma elite regional. Não dá
para aceitar que o ato de tirar intencionalmente a vida de outrem seja objeto
de aplausos e comemorações. Em vez de apreciarmos o fenômeno bélico, deveríamos apontar a essência
desventurosa dele. O acriano assassino de índios, de bolivianos e de peruanos
não deveria servir como arquétipo de heroísmo, pois “a sensibilidade contemporânea torna
repugnante à evocação da violência” (GARCIA, 2000, p. 136, tradução minha).
O ethos patriótico e heroico
constitutivo do discurso identitário acriano não condiz com os acontecimentos
propriamente ditos, ele é apenas uma versão desejava do acriano. Daí a
necessidade da revisão historiográfica que, em parte, propomos nesse livro. A
história do Acre não pode mais ficar refém do testemunho que a memória coletiva
tem do passado, pois ela é um produto de manipulações simbólicas. É por isso
que Assmann (2011, p. 71) diz que “as recordações estão entre as coisas menos
confiáveis que um ser humano possui”.
Segundo Ricoeur (2007, p. 452), há três tipos de “abusos da memória”: a
memória impedida, a memória manipulada e a memória obrigada. Em relação ao
Acre, podemos dizer que o massacre indígena é uma “memória impedida”; os reais
motivos da “revolução”, uma “memória manipulada”; e o lutar para ser brasileiro,
uma “memória obrigada”. Até hoje o acriano é vítima de uma política simbólica
que o faz interiorizar a memória de um passado que não existiu. E eu acredito
que “o historiador não pode apagar ou reescrever o passado a fim de torná-lo
mais agradável” (LANDES, 1998, p. 4).
Espero que a leitura tenha sido agradável e elucidativa,
A todos um forte abraço.
Rio Branco, fevereiro de 2017.